A Cadeira nº 21 da Academia Brasileira de Eventos e Turismo foi ocupada em 2008, pelo cenógrafo Cyro Del Nero, Acadêmico-Fundador da Cadeira nº 21, que indicou Lívio Rangan como Patrono da Cadeira.
Lívio Rangan (Trieste, Itália, 1933 – São Paulo, 1984), chegou ao Brasil em 1953, e logo foi contratado em São Paulo pelo Colégio Dante Alighieri, como assistente de educação física, ficando responsável por montar os espetáculos comemorativos apresentados pelos alunos do tradicional colégio paulistano.
Jornalista de profissão, ele começou na publicidade. No final da década de 1950 conheceu Henri Berthier, presidente da Rodhia do Brasil, quando foi pedir o patrocínio da Rhodia para um espetáculo de balé, que estava montando em prol do Hospiatl Sanatorinhos, instituição de caridade da cidade de Campos do Jordão. Encantado com o projeto e a visão do jovem rapaz, Berthier acabou contratando Rangan para dirigir o departamento de marketing da companhia. Lívio Rangan permaneceu na Rodhia do Brasil até 1970, revolucionando não só o marketing da companhia, mas o mundo da moda brasileiro.
O primeiro palco da moda brasileira foi a FENIT – Feira Nacional da Indústria Têxtil, primeira feira criada por Caio Alcantara Machado. Tendo a Rhodia como principal patrocinadora da feira, Lívio Rangan ajudou a Fenit a ser um divisor de águas na história do setor. Foi na passarela do Pavilhão Internacional do Parque do Ibirapuera, em São Paulo, que o talentoso estilista brasileiro Dener mostrou suas criações para o grande público.
Nos anos 60 a Rhodia foi a responsável pelos maiores desfiles da época. Esse tipo de evento era ainda uma inovação do setor, tendo sido lançado na década anterior pela Casa Canadá. Buscando explorar esse tipo de evento para o lançamento das novas coleções, Livio Rangan decidiu entrar com peso já na segunda edição da Fenit. Assim nascia os eventos tipo ‘Brazilian Style’. Então, o pretexto era promover a moda nacional, dando espaço para que uma série de jovens aspirantes a estilistas desfilassem o seu trabalho.
Além disso, para estimular mais ainda as inovações da indústria, Rangan também cuidou de desenvolver a estamparia. Assim, ele contratou diferentes artistas plásticos para criar motivos ‘bem brasileiros’. O objetivo era mesmo sair do comum e chamar a atenção!
Nessa altura, o conceito de marketing ainda não estava difundido. Bom, não era o caso no mundo, muito menos no Brasil. Seja como for, essa era uma das principais atividades de Rangan na Rhodia. Tendo promovido uma verdadeira renovação da marca, o seu enfoque se deu especialmente no desenvolvimento de campanhas e comunicação para um público-alvo. Hoje em dia essas são ações muito básicas, mas na época eram foram uma verdadeira revolução!
Os desfiles-shows bolados por Rangan também ajudaram a compor o caráter revolucionário da FENIT. Neles, brilhavam figuras malvistas pela ditadura, como Gilberto Gil, Caetano Veloso e Torquato Neto. Com essa simbiose, Rangan conseguia um farto espaço na mídia brasileira. O publicitário foi além do convencional também quando atuava segundo o manual. Foi ele quem criou, por exemplo, a profissão de modelo. Em 1961, ele chamou o veterano estilista francês André Courrèges para apresentar a minissaia aos brasileiros.
No final de 1970, Livio Rangan deixa a Rodhia, e chegam ao fim os grandes desfiles-show da indústria na FENIT. Mas a despedida é em grande estilo: Rangan é reconhecido na segunda edição do Prêmio Colunistas como Destaque Especial por ter revolucionado a promoção de moda no Brasil, em função do show Build Up, seu último show pela Rodhia na Fenit. Em 1971 repetiu a dose: a DPZ conquista o Ouro na terceira edição do Prêmio Colunistas como Melhor Campanha Promocional, com o Programa do Show Build Up, criação de Rangan ao lado de José Zaragoza e Marcius Cortez.
A carreira de Rangan seguiu na publicidade. Ainda em 1971, ao lado de Licínio de Almeida, Rodolfo Volk e Fernando Camargo, cria a Gang Propaganda.
Na Gang, Livio Ragan, ante a curta verba de seu cliente Staroup, propôs a Rede Globo uma solução inusitada de veiculação: fazer com que a marca do seu cliente aparecer no entrecho de uma novela como um gancho enquadrado no cotidiano. Nada ostensivo, muito ao contrário, um institucional leve e perfeitamente casado com a paisagem. Pronto: Rangan havia acabado de implantar o conceito de merchandising na publicidade brasileira.
Fiel ao seu estilo contestador e revolucionário, ele deu vida a personagens memoráveis como a “barata falante” de Rodox.
Em 1976 foi eleito pelo Prêmio Colunistas como Publicitário do Ano, e a Gang recebeu o troféu de Melhor Campanha do Ano, com a campanha Ducal.
A experiência durou até a sua morte, em 1984, aos 51 anos.
Discurso de Livio Rangan, quando recebeu o Prêmio Colunistas como Publicitário do Ano 1976, publicado na Revista Propaganda:
Escolhido, ou melhor, surpreendido, com o título de “Publicitário do Ano”, minha primeira reação psicológica foi: “Será que eu mereço?”. E a segunda, paradoxalmente, menos vaidosa por ser mais profunda: “Deus do céu, e se eu merecer?” Porque isso? Porque depois de meio século de domínio absoluto dos meios de comunicação, quando a publicidade saiu do limbo da ingenuidade e do amadorismo para se transformar numa instituição altamente profissional densamente sofisticada e política e economicamente poderosa, temos que encarar o fato, hoje mais visível do que nunca, de que nos foi imposta uma espécie de má consciência, pois, a propaganda tem inimigos altamente respeitáveis e tão poderosos quanto ela: os filósofos da anti-propaganda.
Respeitáveis, sim. Por isso, talvez eu tenha empregado erradamente a palavra inimigos: talvez sejam nossos melhores amigos. É isso. Devemos incorporá-los, lendo-os com atenção, assimilando com respeito as suas criticas, aceitando-os como auxiliares de nossa autocrítica, que o prestígio e a força de nossa profissão nos põe em risco de perder. Pois, só aceitando a certeza de que nós, os publicitários, também podemos receber uma publicidade desfavorável, estaremos em condições de estender as mãos para um prêmio, sem a dúvida fatal: “Deus do céu , e se eu merecer?”
Assim, ao invés de admitirmos que a Publicidade pode tudo, creio que o negócio é manter a cabeça lúcida ao ponto de sempre nos perguntarmos: até onde podemos ir? Até onde podemos ostentar a vaidade evidente de uma profissão que intelectual e artística, social e econômica, pragmaticamente se exerce com o evidente sentimento de sua importância e a fatuidade de quem parece conter a todo o instante a vontade de repetir sobre si próprio: “Pela primeira vez na história , os gênios estão devidamente pagos!”?
Por outro lado, até onde devemos nos torturar com a idéia de que estamos fazendo pouco pelo bem público e que não sabemos traçar os limites do mal, ao aceitarmos indiscriminadamente qualquer produto, qualquer instituição, qualquer facção transformando nossa profissão numa busca destruidora da aquiescência total, funcionando como uma espécie de lavagem cerebral que, mesmo não sendo política, já é bastante perniciosa em seu uso meramente comercial?
Até onde, ao invés de usar nossos poderosos veículos para sua suprema utilidade, aquilo que nos daria uma definitiva paz de espírito, a certeza que escolhemos esta atividade pelo principio filosófico de que “o mérito, também tem que ser divulgado”, “a virtude não pode ficar esquecida entre quatro paredes”, “a modéstia não faz propaganda de si mesma e tem que ser divulgada à revelia”, até onde, repito, em vez disso, estamos apenas servindo de intermediários altamente especializados para um imenso estupro psicológico, o maior da história?
Linconl, sem que sua intenção fosse essa, nos deu um grande principio publicitário: “Pode-se enganar todas as pessoas algum tempo, pode-se enganar algumas pessoas todo o tempo, mas não se pode enganar todas as pessoas todo o tempo”.
Nós os publicitários, sabemos muito bem que não se pode dizer a todas as pessoas todo o tempo que o preto é branco. Mas isso é pouco. Sem nenhuma utopia, sem qualquer romantismo, devemos e podemos, também evitar faze-las crer que o preto é cinza. O que temos é que descobrir as excelências, as virtudes do preto, se é que elas existem. Pois, ao contrário do que alguns podem crer, a publicidade é eficiente na proporção em que não anuncia alhos por bugalhos, se é que algum dos senhores jamais soube que diabos vem a ser bulgalhos. Eu vou ensinar aqui o que é bugalhos: é o globo no olho, donde a expressão “de olhos esbugalhados”. Não fiquem humilhados não, eu fui ao dicionário.
O Dr. Goebbels, o homem que verdadeiramente inventou o rádio, que, quando o rádio entrou em todas as casas como um novo móvel descobriu que esse móvel não era apenas decorativo mas uma arma de alta potência que ele poderia utilizar contra o próprio usuário. Foi ele, Goebbels que, denominando isso de poder de intrusão, e usando até seus extremos limites nos deu, também, sem querer, a lição contrária a de que a propaganda pode ser também, um poder de ilusão , quando não usada devidamente, gerando seus próprios anticorpos capazes de destruir aquilo mesmo que propaga, como fez com o nazismo.
No outro extremo político, cônscio, também, do gigantesco poder de divulgação da tecnologia do inicio do século, Lenine propunha e lançava o seu TSF, a transmissão à distância, usando, pela primeira vez na história, a possibilidade de influir extra-fronteiras com aquilo que a teoria comunista passou a chamar de apostolado sem fio.
Mas antes desses líderes e desses extremos terem se assenhoreado dos conceitos e meios de propaganda, já existia, como modelo e como técnica, como argumento e como ética, a maior e mais bela propaganda jamais feita, tanto em termos de funcionabilidade como, mais importante, em termos de humanidade: o cristianismo.
Pois, nunca houve slogan mais feliz, mais eficaz e mais bem divulgado do que o “Amai-vos uns aos outros”, nunca houve símbolo secreto de comunicação “semi-ótico”, como se diz hoje, mais eficiente do que o peixe desenhado nos pontos de encontros dos cristãos. E nunca houve logotipo mais belo e apaixonante do que a Cruz.
E foi a Igreja, ainda, que institucionalizou a Propaganda: antes dos Estados, dos sindicatos e dos partidos políticos. O manual intitulado De Propaganda Fide foi, durante muito tempo, um dos instrumentos mais poderosos da política do Vaticano. De Propaganda Fide, isto é: a propagação da fé. E por que não a fé da propagação?
Por que não por a fé na propaganda, para que o Publicitário do Ano – do ano que vem, sentindo que ser publicitário não é vender a sua identidade ao demônio, mas , o legitimo encontro dela com o Bem Público, entre as duas perguntas que me tumultuaram a alma ao receber o prêmio deste ano, possa se perguntar apenas: “Será que eu mereço”.